O trabalhador submetido a jornadas extenuantes sofre inegáveis prejuízos em sua convivência social, nos relacionamentos familiares, projetos de vida, enfim, em sua dignidade, devendo ser reparado pelos danos morais sofridos. Assim se manifestou a 11ª Turma do TRT-MG, em voto de relatoria do desembargador Marco Antônio Paulinelli de Carvalho, ao julgar favoravelmente o recurso de um reclamante para condenar sua empregadora a lhe pagar indenização por danos morais no valor de 8 mil reais.
O caso – Ele era empregado da FCA – Ferrovia Centro Atlântica S.A. e trabalhava como mecânico de locomotivas, em turnos de revezamento. Pelos acordos coletivos, ele deveria cumprir jornada 8 horas diárias e 42 semanais, considerando-se como extraordinárias todas as horas trabalhadas além da 180ª semanal. Havia ainda uma cláusula coletiva autorizando a empresa a exigir jornada de 11 horas diárias em turnos de revezamento desde que fossem cumpridos certos requisitos, como pagamento de 12 horas extras ao trabalhador e do adicional de turno de 14% do salário, assim como o prolongamento das folgas semanais, de forma que a jornada mensal não extrapolasse o limite de 180 horas.
Entretanto, ao examinar as provas, o relator verificou que a empresa não observava norma coletiva, já que o trabalhador cumpria turnos de, no mínimo, 12 horas. Além disso, lembrou o julgador que a Constituição Federal (artigo 7º, incisos XIII e XIV) estabelece o limite máximo de 8 horas diárias para o trabalho em turnos de revezamento.
Como observou o desembargador, a empresa dispunha de um sistema de bancos de horas, que era condicionado ao limite de 10 horas diárias, o que não era respeitado, já que o mecânico trabalhava em turnos alternados de 12 horas. Por tudo isso, o relator concluiu que a empregadora deveria pagar ao mecânico de locomotivas, como extras, as horas trabalhadas além 6ª diária ou 36ª semanal, com os reflexos legais.
Quanto à jornada de trabalho, a prova testemunhal demonstrou que os cartões de ponto não eram corretamente registrados. Assim, a jornada do mecânico foi fixada com base nas declarações das testemunhas, que revelaram o desrespeito aos intervalos de uma hora para refeição e de 11 horas entre uma jornada e outra. É que o mecânico cumpria escala 4X4 (4 dias de trabalho por 4 dias de folga), em turnos alternados (diurno e noturno) de 12 horas, sendo que, por duas vezes na escala, trabalhava 4 horas além do expediente, com apenas 30 minutos de intervalo.
Jornada extenuante – Dano existencial – Conforme pontuou o relator, os horários de trabalho praticados pelo mecânico possibilitavam a ele pouquíssimas horas de descanso: “O reclamante se ativava em turnos ininterruptos de revezamento por 12 horas consecutivas e em alguns dias trabalhava mais quatro horas ao final do expediente, totalizando 16 horas seguidas de trabalho, sendo que usufruía de apenas 30 minutos de intervalo”, registrou na decisão.
Nesse cenário, o desembargador não teve dúvidas de que o reclamante era submetido a jornada extenuante e exaustiva, o que lhe privou dos relacionamentos sociais, projetos pessoais e até de um tempo de repouso que lhe garantisse um período de sono realmente reparador. “O prejuízo, em casos como o presente, é deduzido da própria ofensa, bastando o implemento do ato ilícito para criar a presunção dos efeitos negativos na órbita subjetiva da vítima. Trata-se, portanto, de dano moral presumido”, destacou o relator.
Para o julgador, o dano suportado pelo trabalhador é evidente, sendo decorrente de ato ilícito da empregadora, que estabeleceu a jornada de trabalho em desacordo com a legislação trabalhista. Nesse quadro, a empresa está obrigada a reparar os danos que sua conduta antijurídica causou ao empregado: “É o chamado dano existencial, uma espécie de dano imaterial em que o trabalhador sofre limitações em sua vida, fora do ambiente de trabalho”, explicou o desembargador, condenando a FCA a pagar ao mecânico de locomotivas indenização por danos morais (existenciais) no valor de 8 mil reais. Os fundamentos do relator foram acolhidos pela Turma revisora.
Processo
00827-2015-098-03-00-8 (RO) — Acórdão em 01/09/2017
Fonte: https://www.trt3.jus.br/