Em uma reviravolta e com placar apertado, o Supremo Tribunal Federal declarou nesta quarta-feira (8/8) que não há prazo para que o Estado entre na Justiça com ações para cobrar o ressarcimento aos cofres públicos por desvios provocados por agentes públicos em atos de improbidade administrativa. Esse entendimento se aplica para casos em que ficar comprovada a intenção de ferir a administração pública.
A tese definida no caso é a seguinte: “são imprescritíveis ações de ressarcimento ao erário fundada na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”.
O entendimento representa uma mudança na maioria formada na semana passada que estabelecia que essas ações prescrevem e que o prazo para acionar a Justiça nesse caso seria de cinco anos. A guinada foi motivada por ajustes nos votos dos ministros Roberto Barroso e Luiz Fux, que acabaram invertendo a maioria até então formada no plenário.
O início do julgamento provocou uma forte reação do Ministério Público Federal nos últimos dias, sendo que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu que se mantido a tese do prazo para essas ações o julgamento produziria enorme impacto negativo na defesa do patrimônio público.
Na avaliação de especialistas, esse curto prazo para punições, na prática, inviabilizaria a sua aplicação, uma vez que, em muitos casos, os processos judiciais não conseguem ser concluídos nesse espaço de tempo. Desde 2013, apenas o MPF – um dos legitimados para propor esse tipo de ação – ajuizou mais de 10 mil ações de improbidade em todo o país.
Em 2017, por exemplo, estavam registradas no Cadastro Nacional de Condenados por Improbidade do CNJ condenações que somadas impuseram a obrigação de que fossem devolvidos ao erário mais de R$ 1,3 bilhão. O dado refere-se apenas a ações que já transitaram em julgado, ou seja, em que não cabem mais recursos.
“Entendo que hoje em dia não é consoante com a postura judicial que danos decorrentes de crimes praticados contra a administração pública fiquem imunes da obrigação com o ressarcimento”, argumentou Luiz Fux ao justificar alteração no voto.
Roberto Barroso justificou que as dificuldades para a impossibilidade de recuperação dos recurso, muitas vezes pela delonga administrativa ou no processo penal, o convenceram de que a prescritibilidade não produz o melhor resultado para a sociedade. Além disso, sugeriu uma restrição para as ações que envolvam dolo, “excluindo hipóteses de culpa que podem advir de falhas humanas não intencionais que tenham levado eventualmente a prejuízo ao erário”. “O ressarcimento ao erário não é sanção. Devolver o que não deveria ter tomado, não é sanção”, afirmou.
A nova corrente majoritária provocou intensos debates no plenário.”Temos lá a discussão no eleitoral sobre urna eletrônica, compra ou não compra. Ou aqui uma dispensa de licitação. Não houve ação de improbidade, passou o prazo. E agora entra-se com uma ação de ressarcimento. Vossa Excelência já aposentado, eu já aposentado, dizendo que nós somos responsáveis por compra de urna. O juiz vai dizer que é um ato de improbidade e vai decretar o direito ao ressarcimento, é isso que estamos produzindo? É isso que estamos dizendo?”, questionou Gilmar Mendes.
“O MP todo poderoso vai entrar com ação.“Sabemos que e essas ações são muito animadas por razões políticas. E no cotejo atual pode ser apresentada, desculpe doutora Raquel (PGR) de maneira flagrantemente irresponsável sentido jurídico”.disparou Gilmar.
Alexandre de Moraes criticou o fato de dizerem que o marco temporal nesse tipo de ação atingiria a Lava Jato. “Eu queria rechaçar o que, para mim, é uma falácia e foi dita por vários membros do MP, de que a imprescritibilidade atrapalharia o enfrentamento da corrupção. O que atrapalha é a incompetência. Alguém que tem ciência do fato tem cinco anos para investigar, ou 12, 16 anos, quando se corresponde a crime, se nesse prazo não conseguiu mínimo pra ingressar com ação é porque nada há ou porque é incompetente. Nessa semana se fez marketing de que a imprescritibilidade atrapalha o combate à corrupção ou atá a Lava Jato”.
Votaram pela imprescritibilidade dessas ações: Edson Fachin, Rosa Weber, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Roberto Barroso. Foram a favor da fixação do marco temporal: Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
Os ministros discutiram o Recurso Extraordinário (RE) 852475, interposto pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em ação judicial que questiona a participação de um ex-prefeito de Palmares Paulista, um técnico em contabilidade e dois servidores públicos municipais em processos licitatórios de alienação de dois veículos em valores abaixo do preço de mercado.
Os fatos apurados ocorreram entre abril e novembro de 1995, sendo que a ação civil pública foi ajuizada em julho de 2001. O MP-SP defendeu a aplicação aos réus de sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa como ressarcimento de danos, por avaliação e alienação de bens abaixo do preço de mercado. O Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, reconheceu a prescrição no caso quanto aos ex-servidores.
Para o MP-SP, a possibilidade de prescrição da ação visando à recomposição do dano fará com que os que praticaram atos de improbidade fiquem impunes e que o Tesouro, formado com a contribuição de cada um dos integrantes da sociedade, seja diminuído.
A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) dispõe que a ação disciplinar prescreve em cinco anos quanto às infrações puníveis com demissão, contados a partir da data em que o fato se tornou conhecido. Na avaliação de especialistas, esse curto prazo para punições, na prática, inviabiliza a sua aplicação, uma vez que, em muitos casos, os processos judiciais não conseguem ser concluídos nesse espaço de tempo.
O debate envolve o artigo 37 da Constituição que estabelece: “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Votos
No julgamento prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Edson Fachin. Segundo o ministro, o texto constitucional inclui as ações de ressarcimento decorrentes de improbidade administrativa entre as hipóteses de imprescritibilidade, uma vez que trata de matéria que diz respeito à tutela dos bens públicos. Trata-se no caso de uma constitucionalização do direito civil, introduzindo exceção à regra da prescrição.
“O Poder Constituinte originário houve por bem escolher não apenas o alçamento da boa governança ao patamar constitucional, mas também a compreensão de que a coisa pública, não raro tratada com desdém e vilipendiada por agentes particulares ou estatais, trouxe um compromisso fundamental a ser protegido por todos”, afirmou.
Na sessão desta quarta, seguiram o ministro Celso de Mello e Cármen Lúcia. O decano ressaltou que “o Brasil é um país onde ainda há corrupção!” e que o princípio constitucional da probidade administrativa impõe sanções, o que é uma consequência legitima. “O princípio republicano consagra o dogma de que todos os agentes públicos são responsáveis perante a lei. Essencial o princípio da responsabilidade e, portanto, da probidade administrativa”.
Para Cármen Lúcia, os parágrafos 4 e 5 da Constituição dão a dimensão exata do que se contém no espírito dessas normas e que me levam, portanto, considerar ressalvada imprescritibilidade nos casos específicos das ações de ressarcimento.
“Tenho para mim que, como está estabelecido na Constituição, com ressalva quanto às ações de ressarcimento, a imprescritibilidade se impôs. Acho que a segurança jurídica está não apenas na conduta das pessoas que servem ao poder público, mas no cumprimento da Constituição. Na minha compreensão, de acordo com seus termos expressos, assegurando-se a imprescritibilidade”.
Em outra frente, o relator do RE, Alexandre de Moraes, afirmou que “em face da segurança jurídica, portanto, nosso ordenamento jurídico afasta a imprescritibilidade das ações civis patrimoniais. Como resultado, não deveria ter surgido qualquer dúvida quanto à prescritibilidade de todas as sanções civis por ato de improbidade administrativa”.
Segundo o ministro, essa tese “não implica prejuízo ao combate à corrupção nem à improbidade, pois nas hipóteses mais graves, que configuram crime, o prazo prescricional será aquele previsto no Código Penal. “A legislação equiparou o prazo para propositura das ações – inclusive de ressarcimento – aos prazos mais acentuados do Direito Penal”, afirmou.
Na sessão de hoje, o ministro Marco Aurélio também votou nesse sentido. “Não me consta que o período de cinco anos seja insuficiente. Trata-se da preservação da coisa pública. Mas não cabe incluir situação não prevista. Seria incongruente o STF se concluísse ser a previsão do prazo constitucional relativamente a outras sanções”, disse.
“Se estabelecermos distinção quanto ao prazo, em termos de prejuízo causado ao setor público, estaríamos admitindo um sistema não previsto na Lei Maior.
Na me cabe como intérprete estabelecer distinções onde a Constituição Federal não distingue”, completou.
Fonte: www.jota.info