A sanção da Lei Geral de Proteção de Dados ontem (14) pelo presidente Michel Temer foi saudada por diversos segmentos como um avanço. Mas os vetos anunciados foram objeto de reclamação por parte de setores que participaram das discussões sobre a nova norma desde a tramitação no Congresso Nacional.
A legislação sobre proteção de dados pessoais é realidade em mais de 100 países em todo o mundo. No Brasil, iniciativas deste tipo são discutidas desde a virada dos anos 2010. Na primeira metade dessa década, diversos projetos foram apresentados na Câmara e no Senado. O Executivo Federal realizou consultas públicas e enviou, no início de 2016, um projeto de lei próprio ao Congresso tratando do tema. Após anos de debate nas duas casas, nos últimos meses a agenda ganhou visibilidade e a matéria recebeu apoio de diversos setores, de empresas a entidades da sociedade civil.
Na avaliação de Demi Getschko, integrante do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) e presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (nic.br), a nova legislação é “muito adequada” e uma boa notícia, pois define as regras e direitos no que diz respeito à proteção de dados no Brasil.
“O Brasil tem alguns pontos em que ele claramente pode se orgulhar. E vários deles estão ligados à tecnologia, e a internet é um deles. Há quatro anos, tivemos a sanção da lei do Marco Civil. Essa lei nos coloca de novo em uma posição bem confortável, de destaque, e eu acho que isso é mérito de todos, uma construção da sociedade civil”, comentou.
Para o gerente-executivo de política industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), João Emílio Gonçalves, a lei garante direitos e, ao mesmo tempo, oferece segurança jurídica para empresas investirem na adoção de novas tecnologias. Além disso, acrescenta, tem impacto importante na indústria uma vez que dota o Brasil de parâmetros de proteção e segurança de dados exigidos em negociações com outros países.
“A Lei nos aproxima do mercado internacional. Os dados são cada vez mais globais. Praticamente todos os países têm regulamentos de proteção de dados. Em casos como o da União Europeia, é preciso ter este tipo de legislação para não ser excluído das transações. Só vemos aspectos positivos”, avalia.
Vetos
Entretanto, os vetos definidos pelo presidente Michel Temer levantaram questionamentos entre as entidades envolvidas no debate sobre a Lei. O principal deles foi a retirada do texto da criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. O governo justificou a decisão por um vício de origem, argumentando que a instituição da agência só poderia ocorrer por um projeto de lei ou medida provisória do Executivo. Na cerimônia hoje, Temer afirmou que o governo deve encaminhar proposta neste sentido.
Na opinião do gerente de relações institucionais da Associação Brasileira das Empresa de Tecnologia da Informação e da Comunicação (Brasscom), Daniel Stivelberg, a autoridade era o “coração da lei”, ao ter o papel de normatizar e garantir a harmonização da implementação da Lei na prática. Além da importância da agência, ele não viu problema jurídico na sua criação.
“Entendemos que não houve vício de iniciativa, uma vez que um dos diplomas aprovados no Congresso era de iniciativa do Executivo [PL 5.276, de 2016, que originou o substitutivo aprovado na Câmara e apensado ao projeto aprovado, PL 4.060/2012] e já trazia a criação do órgão competente. Mas com o veto, deve haver medida provisória para que haja correção imediata. A inexistência de uma autoridade pode trazer algum grau de insegurança jurídica”, alerta.
Outro trecho da Lei retirado pelo governo obrigava instituições públicas a darem publicidade caso fossem comunicar ou compartilhar dados com outros órgãos da Administração. A coordenadora do Coletivo Intervozes, entidade integrante da Coalizão Direitos na Rede (que reúne pesquisadores e oragnizações da sociedade civil), Bia Barbosa, diz que o veto a este artigo é problemático.
“Hoje a gente sabe que boa parte da população não sabe sequer que seus dados estão sendo tratados pelo Poder Público, ou sendo compartilhado para órgãos privados. Então vetar a obrigatoriedade de dar publicidade a essas ações de tratamento é uma demonstração de falta de transparência do governo sobre como esses dados vão ser utilizados”, aponta Bia.
Entre os vetos, foram removidas duas das punições previstas na Lei. Entre as medidas que poderiam ser tomadas pela autoridade nacional estavam as possibilidades da suspensão total ou parcial da atividade de tratamento ou até mesmo do funcionamento de um banco de dados. Em documento de balanço sobre a versão final da Lei, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) analisou que essa exclusão pelo governo federal deixa o conjunto de sanções “mais frouxo”.
“Na prática, a Autoridade de Dados Pessoais pode aplicar advertência, multa simples, multa diária, publicização da infração e bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração. Mas não poderá exigir a suspensão parcial do funcionamento do banco de dados ou a suspensão do exercício da atividade de tratamento de dados pessoais por seis meses. Em uma analogia com outra área, é como se a vigilância sanitária não pudesse fechar um restaurante com coliformes fecais na cozinha”, compara o Idec.
O presidente Temer também retirou o item da Lei que protegia a pessoa que requisitasse informações do Poder Público por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). “O objetivo deste dispositivo era impedir qualquer retaliação a um cidadão que usasse a LAI para, por exemplo, fiscalizar um órgão público. Quem requer precisaria ter sua identidade protegida para que qualquer tipo de abuso deste tipo não ocorresse”, diz Paulo Lara, assessor de direitos digitais da organização Artigo XIX, especializada em liberdade de expressão.
Apesar das críticas, o representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) nas negociações da lei no Congresso, Marcelo Bechara, avaliou que ao fim o governo apresentou menos vetos do que o previsto. “Era esperado o veto à autoridade [Nacional de Proteção de Dados] por conta do vício constitucional da sua criação. É interpretação legítima, embora houvesse outras em contrário. O que foi principal é que havia muitos pedidos de veto de dentro do próprio governo, quase requisitando vetar a lei inteira, mas isso não aconteceu”, comemora.
A Lei ainda terá um período de transição de 18 meses antes de entrar em vigor.
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br