Decisão envolve a startup Singu e outro sócio que pediu o vínculo trabalhista judicialmente.
Antes de adentrarmos às razões da decisão¹, é necessário esclarecer alguns termos específicos que serão utilizados neste artigo e que fazem parte do ecossistema das Startups.
O Vesting, mais comumente utilizado por startups, regula a oferta de participação societária futura com colaboradores estratégicos diante do atendimento de determinados requisitos². Assim, atendidas as metas e o decurso de tempo estabelecido, o colaborador passa a ter a participação societária prometida.
Juntamente a esta cláusula, é comum que seja prevista a possibilidade do Cliff period: período (geralmente de 1 ano) antes que se comece o Vesting, isto é, o colaborador só começará a ser “vestido” de sua participação societária após o período de Cliff, evitando que este abandone a empresa neste período ou que a ela não se dedique. Assim, neste primeiro ano o colaborador pode ser “cliffado”, perdendo seu direito à participação societária que se daria da forma prevista pelo Vesting.
O caso que gerou a decisão em comento partiu de um reclamação trabalhista ajuizada por um sócio fundador contra a Startup Singu (Tallis Gomes), da qual havia participado por um determinado período, tendo saído desta dentro do período de Cliff, ou seja, ainda sem direito à participação societária. Inconformado, o reclamante pediu o reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa e consequentemente o pagamento de todas as verbas trabalhistas no período em que nela permaneceu.
Suas alegações tiveram como base dois pontos principais.
Primeiro, teria havido a presença de subordinação na relação do reclamante e o outro sócio fundador diante das constantes cobranças feitas àquele. Segundo, o reclamante não poderia ser considerado sócio da empresa pois seu nome não constava formalmente do contrato social.
Destaca-se aqui que a relação existente entre as partes à época foi amparada por um contrato denominado MoU (Memorandum of Understanding) ou Memorando de Entendimentos. O MoU é um contrato em que são firmadas regras para as relações entre futuros sócios, sem que isso resulte desde já na formalização desta sociedade.³
No presente caso, dentro do Memorando de Entendimentos firmado entre as partes, estavam previstas as cláusulas de Vesting e de Cliff explanadas acima.
A defesa refutou todos os argumentos alegados pelo reclamante. Primeiramente, as alegadas cobranças do outro sócio fundador teriam derivado de simples e rotineiras trocas de obrigações entre sócios, afastando, assim, a subordinação.
Depois esclareceu que a mera ausência do reclamante no contrato social não retiraria sua condição de sócio, já que este estava amparado por documento (MoU) que garantiria sua participação social futura após passado determinado período de tempo (Clif) e cumpridas as demais metas estabelecidas (vesting).
Um ponto merece ser destacado para se entender a decisão: a ausência de hipossuficiência do reclamante. Isto porque a elaboração do Memorando de Entendimentos foi minuciosa e extensivamente discutida, contando com a assessoria de renomados advogados para ambas partes. Além disso, o reclamante figurava como sócio em nada menos que sete outras empresas.
Outro fator crucial foi o comportamento do reclamante em redes sociais e entrevistas, nas quais sempre se apresentava como um dos sócios fundadores da startup.
Por todos estes motivos, o juiz não reconheceu o vínculo trabalhista pedido. Decidiu que o reclamante foi sócio e não empregado da startup, mesmo não constando seu nome do contrato social da empresa devido às peculiaridades existentes em contratos que preveem as cláusulas de Vesting.
A decisão ainda poderá ser objeto de recursos e seu desenrolar deve ser acompanhado de perto pelos advogados militantes na área, podendo se tornar um importante precedente na consolidação jurídica destes tipos de contratos que são peculiares mas muito presentes no dia a dia das startups.
1. Processo nº: RTOrd 1000856-03.2017.5.02.0023 – 23ª Vara do Trabalho de SP
2. Feigelson, Bruno. Nybo, Erik Fontenele. Fonseca, Victor Cabral. Direito das Startups. São Paulo: Saraiva, 2018.
3. Nybo, Erik Fontenele. Memorando de entendimentos para pré-constituição de uma startup. In: JÚDICE, L.P; (Orgs.). Direito das Startups. São Paulo: Juruá, 2016.
Fonte: www.jota.info