O Supremo Tribunal Federal (STF) divulga hoje o nome das instituições que participarão da auditoria do sistema de sorteio e distribuição de processos. A medida busca dar maior transparência ao criticado programa. Os classificados terão acesso ao código-fonte do sistema – hoje mantido em segredo – e analisarão a possibilidade de sua divulgação.
O código-fonte despertou grande interesse em 2017, quando o sistema sorteou o ministro Edson Fachin para relator da Operação Lava-Jato no Supremo, logo após ele passar para a 2ª Turma. O tribunal alegou na época motivos de segurança para negar os pedidos de acesso ao código. E informou que diferentes critérios eram usados pelo sistema – como o número de processos que o ministro já recebeu por meio de sorteios.
A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a PUC do Rio Grande do Sul e a Fundação Universidade de Brasília (FUB) foram as primeiras instituições interessadas em participar da análise. Durante o processo, o STF foi procurado por outros tribunais interessados em conhecer detalhes da auditoria. Por essa razão, acredita que os resultados da avaliação externa poderão ser aproveitados por outras Cortes.
“Nossa vida é cada vez mais governada por algoritmos”, afirma Eduardo Magrani, coordenador da área de direito do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio). Além de indicar postagens e produtos de interesse nas redes sociais, também são algoritmos que decidem qual ministro do Supremo será o relator de um processo.
O algoritmo ou código-fonte é o conjunto de instruções escritas na linguagem de programação. Ao ter acesso a ele, um especialista consegue entender como um determinado software funciona. O Supremo alega razões de segurança para mantê-lo em sigilo. Algumas entidades usam o Regimento Interno da Corte e a Lei de Acesso à Informação para pedir os dados, sem sucesso.
O Regimento Interno do STF estabelece, no artigo 66, que a distribuição dos processos deverá ser feita por sorteio eletrônico ou prevenção, acionado automaticamente, cujo sistema seja público, assim como seus dados, “acessíveis aos interessados”.
Além do Regimento Interno, o Supremo está submetido à Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011). Segundo a norma, as informações produzidas ou sob guarda do poder público são públicas e devem ser acessíveis a todos os cidadãos. A transparência é importante para que eventuais vulnerabilidades do sistema sejam conhecidas e consertadas, avalia Eduardo Magrani.
O advogado André Giacchetta, sócio do escritório Pinheiro Netto com atuação na área de internet e tecnologia da informação e professor de propriedade intelectual na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), entende, porém, que a revelação indiscriminada do código-fonte possibilitaria o uso malicioso.
“Seria um risco divulgar o código-fonte”, afirma Giacchetta. Para o advogado, o mais relevante não é saber como o código funciona, mas se sua aplicação leva ao resultado esperado pelas orientações do Regimento Interno do Supremo.
De acordo com o edital, a auditoria é necessária para que se elimine qualquer dúvida quanto ao sistema de distribuição e para análise de possíveis melhorias. O tribunal optou pelo chamamento público para evitar despesas com consultoria. E para dar maior credibilidade nos relatórios a serem elaborados pelas entidades que se prontificarem a realizar o trabalho.
A divulgação do código-fonte também é solicitada no Projeto de Lei (PL) nº 8.503, de 2017, que tramita na Câmara dos Deputados. O PL, de autoria do deputado Edmilson Rodrigues (Psol-PA) prevê que o Poder Judiciário divulgue os códigos-fontes usados em todos os sistemas dos tribunais, inclusive os de programas de distribuição de processos.
Segundo o professor de tecnologia da Faculdade de Computação e Informática do Mackenzie, Luciano Silva, realmente há risco com a divulgação do código-fonte. Sem conhecimento, a invasão do sistema se torna mais complicada, apesar de não ser impossível. Ele destaca que existem mecanismos nos próprios códigos que podem mapear e acusar invasões. Como o do STF é desconhecido, não é possível saber se contém essa ferramenta.
A divulgação dos relatórios de avaliação das entidades participantes e do relatório final do STF está prevista para 17 de agosto. As entidades foram chamadas por uma convocação pública feita pela Portaria nº 104, de 2018, publicada em maio. O texto estabelece a participação de até cinco entidades. Porém, inicialmente, apenas três manifestaram interesse e nenhuma delas apresentou a documentação completa exigida. Por isso, o prazo inicial foi estendido.
A auditoria é importante porque, cada vez mais, o STF é acompanhado pelos demais tribunais nas decisões, segundo o pesquisador do Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio Ivan Hartmann. E há casos que nem chegam ao Plenário do Supremo. “O software que determina a distribuição está quase definindo o resultado do processo”, afirma.
Software vai barrar recursos ao Supremo
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a investir no desenvolvimento de um sistema para barrar recursos e aplicar automaticamente decisões dadas em repercussão geral. Por meio do projeto, feito em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), os ministros esperam reduzir em dois anos a fase de admissibilidade de recursos.
Ainda não há previsão de quando o sistema começará a funcionar. A expectativa é que o mecanismo facilite a aplicação dos precedentes judiciais. A ferramenta foi batizada de Victor, em homenagem a Victor Nunes Leal, ministro do Supremo de 1960 a 1969 e principal responsável pelo uso das súmulas na Corte.
De acordo com o STF, o sistema não vai julgar nem decidir, apenas auxiliará na organização dos processos. Na prática, vai conferir se o tema deve ser julgado pelo Supremo ou se já foi decidido em repercussão geral (juízo de admissibilidade).
A inteligência artificial tem despertado interesse do Judiciário. Na semana passada, o Conselho da Justiça Federal (CJF) realizou um congresso sobre o assunto, para debater o impacto na aplicação do direito e projetos nos tribunais.
No evento, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, afirmou que é crucial o Judiciário concentrar esforços para aprimorar os processos de trabalho, especialmente por causa da necessidade de reduzir gastos e aumentar a produtividade. O STJ ainda está em fase embrionária no uso de inteligência artificial, mas também tem desenvolvido estudos e projetos-piloto.
Fonte: www.valor.com.br