TRT23: 1ª Turma condena frigorífico a pagar danos futuros a trabalhadora com depressão

Recontratada por força de decisão judicial, após ser demitida grávida, ela virou alvo de perseguições que a levaram a ser chamada de “o susto” entre os colegas

Uma trabalhadora que desenvolveu depressão após sofrer assédio moral no trabalho garantiu na Justiça o direito de receber o pagamento das despesas que ainda possa ter com tratamento médico-psicológico, inclusive medicamentos.

A decisão é da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT), após a comprovação que a doença foi resultado da maneira como a empregada foi tratada no serviço e que ela terá que continuar a fazer tratamento já que sua saúde ainda não está totalmente restabelecida.

O caso teve início, conforme narrou a analista de recursos humanos, quando foi reintegrada ao serviço por força de uma decisão judicial, depois de ser dispensada grávida da unidade do frigorífico BRF de Lucas do Rio Verde.

Ao reassumir o emprego, entretanto, ao invés de voltar a cuidar dos contratos, notificações de despejo e entradas e saídas dos trabalhadores do setor habitacional da empresa, como fazia anteriormente, viu cortados os seus afazeres, ficando sem mesa, sem senhas e acesso aos computadores e com o e-mail bloqueado.

No lugar de sua sala de trabalho, viu-se tendo de ficar na cozinha, ocupando um canto da mesa do refeitório para realizar o serviço de separar as contas de água e energias das casas do programa habitacional da empresa, trabalho que, segundo ela, era realizado até então por um jovem aprendiz. Por conta disso, os colegas estranhavam encontrá-la naquele local e reagiam com expressões como “nossa, que susto!”, situação que se repetiu várias vezes, seguida sempre de gracejos.

Concomitante a esses constrangimentos, não lhe foram concedidos os intervalos previstos em lei para amamentação do bebê.

Como resultado, desenvolveu um quadro de depressão, que a levou a psicólogos e psiquiatra, sendo diagnosticada com transtorno do pânico. Passou então a fazer uso diário de medicamentos controlados e, seguindo recomendação médica, teve que ficar afastada do trabalho por pelo menos dois períodos.

Ao julgar o caso, a juíza Rosiane Cardoso, em atuação na Vara do Trabalho de Lucas do Rio Verde, condenou o frigorífico a pagar compensação pelo dano moral no valor de 15 mil reais e outros 25 mil pelo dano material, pelos lucros cessantes à trabalhadora. A sentença foi alvo de recursos de ambas as partes.

A trabalhadora recorreu ao TRT para pedir o aumento dos valores deferidos bem como a condenação de dano material em decorrência dos danos emergentes, argumentando que terá que continuar o tratamento, portanto com gastos futuros mas não tem como prever o montante exato, uma vez que nem os peritos conseguiram estimar o tempo em que deverá continuar o acompanhamento médico para sua total recuperação.

A empresa, por sua vez, pediu a exclusão das condenações, alegando não haver provas de assédio moral. Com relação à depressão da trabalhadora, afirmou que a enfermidade não teve origem ocupacional e que, por se trata de doença multifatorial outros elementos emocionais e estressores deveriam ter sido considerados pelo médico perito, como o fato da reitegração ao serviço ter ocorrido logo após a gestação e término de sua licença maternidade, “[…] período em que são altas as taxas de depressão pós-parto e até mesmo psicose.”

Ao analisar os recursos, o desembargador Edson Bueno, relator do caso no Tribunal, ponderou que a pressão excessiva do mundo moderno pode gerar uma série de problemas de ordem emocional, como depressão, estresse, ataques de ansiedade ou síndrome do pânico. E que muitas vezes essas patologias têm suas origens no trabalho, visto que é normal se passar pelo menos um terço do dia no ambiente de trabalho, podendo sofrer pressão psicológica, isolamento, ritmo agressivo de metas, dificuldades de relacionamento ou, ainda, carga horária excessiva.

De modo que a investigação dos transtornos mentais e emocionais não é tarefa fácil, especialmente a depressão, que pode ser desencadeada por fatores diversos que atuam concomitantemente. “Ou seja, uma pessoa que já apresenta predisposição e é submetida a condições de trabalho adversas pode vir a desenvolver a doença”, ponderou, sendo preciso levar em consideração todo o contexto.

Entretanto, ao examinar as provas do processo, o magistrado julgou presente o abuso do poder hierárquico e ofensa à honra e dignidade da trabalhadora, sendo evidente a conduta ilícita da empresa ao dar tratamento diferenciado a empregada após a sua reintegração, com alteração de suas atividades, sendo-lhe repassadas tarefas de menor importância; bem como na retirada das ferramentas de trabalho.

Essas condutas, aliadas às chacotas que ela teve que suportar abalaram-na moral e psicologicamente, concluiu o relator. As zombarias foram confirmadas por uma testemunha, que disse a trabalhadora passou a ser chamada pejorativamente de “o susto” pelos colegas, apelido ouvido diariamente, além de ser olhada com deboche por estar desempenhando suas funções não no escritório, mas no refeitório da empresa. E que por várias vezes ela foi vista chorando no trabalho.

Dois laudos periciais realizados confirmaram, por sua vez, que a depressão da empregada possui relação direta com as condições que ela encontrou após o retorno ao trabalho. Ao redigir o documento, o primeiro perito afirmou: “Trata-se de portadora de transtorno depressivo recorrente (CIDF33.2) de evolução crônica. Seus distúrbios estão diretamente relacionados aos fatos sofridos no trabalho.”

O segundo, elaborado por um psiquiatra e médico do trabalho, apontou no mesmo sentido. “Normalmente, em função do que passou a sofrer, começou a ter sintomas como ansiedade (levando-a comer mais) medo, tristeza, insônia, sintomas físicos (taquicardia, sudorese e sensação de sufocamento etc.). Depois evoluiu para alterações do conteúdo do pensamento (delírios persecutórios), por isso os dois diagnósticos dados por seu médico assistente, a medicação coerente prescrita e a necessidade da licença médica”, descreveu, concluindo que a trabalhadora se encontra “fragilizada e necessita continuar o tratamento, medicamentoso e psicoterápico.”

O desembargador-relator concluiu, assim, que conforme demonstrado nos laudos a doença teve como causa as condições de trabalho, salientando ainda que os sintomas surgiram mais de seis meses após o parto, “evidenciando que a depressão não possui qualquer relação com a gravidez ou o período puerperal”.

Com base nessas análises, o relator decidiu, acompanhado pelos demais magistrados da 1ª Turma do TRT/MT, manter a sentença quanto ao pagamento de 15 mil reais pelo dano moral e ao pensionamento (lucros cessantes) de 25 mil reais. Também manteve o pagamento de horas extras, devido pela não concessão do intervalo para amamentação.

Entretanto, no campo do dano material, o pedido de pagamento de reparação a título de danos emergentes que não havia sido deferido na decisão proferida na Vara do Trabalho foi acolhido no Tribunal. Ao negar o pedido, a juíza avaliou que faltou à trabalhadora comprovar os gastos já efetuados ou que serão necessários ainda.

Contudo, a 1ª Turma do Tribunal, também por unanimidade, deferiu o pagamento ao julgar que o perito, ao prever a necessidade de tratamento para a completa recuperação da trabalhadora e indicar quais as medidas terão que ser observadas, comprovou os danos emergentes futuros.

Desta forma, a empresa foi condenada também a arcar com as despesas futuras do tratamento até o total restabelecimento da saúde da ex-empregada. O pagamento se dará pelo procedimento comum (a chamada antiga liquidação por artigos), mediante a comprovação dos gastos efetuados pela trabalhadora.

PJe 0002412-03.2015.5.23.0101

Fonte: http://www.trt23.jus.br/