O juiz Luiz Olympio Brandão Vidal, titular da Vara do Trabalho de Cataguases-MG, acolheu o pedido de um ex-empregado da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) para anular a dispensa por justa causa que lhe foi aplicada pela empresa. O trabalhador, que estava na empresa há mais de 26 anos, conduziu, sem autorização, um trator da empregadora, levando-o até sua residência e utilizando o veículo para uso próprio. Apesar de o magistrado ter considerado reprovável a conduta do trabalhador, ele observou que, na época, o empregado era detentor da garantia de emprego prevista para os dirigentes sindicais. Dessa forma, a dispensa por justa causa deveria ter sido precedida de inquérito para apuração da falta grave, o que não foi feito pela empresa. Nesse cenário, a sentença declarou a nulidade da dispensa por justa causa realizada pela empresa, determinando a reintegração do trabalhador no emprego, no mesmo cargo e função desempenhados, garantindo a ele os salários e todos os direitos relativos ao contrato de trabalho, desde a dispensa até a reintegração.
No caso, a ação foi ajuizada após a edição da Lei 13.467/2017, mais conhecida como Reforma Trabalhista, razão pela qual o juiz determinou a incidência, no caso, das inovações quanto às regras processuais. Mas, em relação às normas de direito material do trabalho, a conclusão foi outra. Para o juiz, estas não têm aplicação ao caso, por respeito aos princípios da irretroatividade da lei e do direito adquirido, tendo em vista que o contrato de trabalho do reclamante teve início antes da entrada em vigor da Reforma.
Mas, o ponto que mais chamou atenção na sentença foi a interpretação que o magistrado fez das normas reformistas a respeito da concessão da justiça gratuita. É que o artigo 890, § 3º, da CLT, introduzido pela Lei da Reforma Trabalhista, dispõe que o benefício da justiça será deferido àqueles que receberem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (atualmente R$5.645,80, conforme Portaria 15/2018 do Ministério da Fazenda, então, 40% corresponde a R$2.258,32). E o parágrafo 4º do artigo 790 da CLT, também introduzido pela Reforma, prevê que “o benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”. No caso, os recibos salariais do trabalhador revelaram que ele recebia acima do limite estabelecido na regra. Mas, ainda assim, o magistrado lhe concedeu a gratuidade da justiça. É que o empregado apresentou declaração de pobreza, o que, segundo o juiz, é o quanto basta para a comprovação da insuficiência de recursos, com base no parágrafo 3º do artigo 99 do CPC, aplicado supletivamente ao processo do trabalho.
A norma do § 4º do art. 791-A da CLT, outra inovação trazida com a Reforma Trabalhista, também foi analisada na sentença. A regra estabeleceu a responsabilidade da parte vencida pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, estendendo-a, inclusive, ao trabalhador beneficiário da justiça gratuita, de modo a autorizar que o valor devido ao advogado da empresa fosse deduzido dos créditos trabalhistas, ainda que obtidos em outro processo. Caso o valor fosse insuficiente, o pagamento dos honorários ficaria em condição suspensiva de exigibilidade, até que a condição de insuficiência econômica do trabalhador deixasse de existir. Mas, na interpretação do magistrado, o trabalhador, beneficiário da justiça gratuita, somente será responsável pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência se o proveito econômico obtido na ação for suficiente para fazer cessar sua condição de miserabilidade. Como esse não foi o caso do reclamante, embora ele tenha sido sucumbente no pedido de indenização por danos morais, o juiz determinou a suspensão da exigibilidade dos honorários de sucumbência por ele devidos, pelo prazo de dois anos da data da publicação da sentença, com a posterior extinção do débito após o decurso do prazo, a não ser que a empresa demonstre, dentro do biênio, que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos do trabalhador que justificou a concessão de gratuidade da justiça.
Dirigente sindical – Estabilidade – Nulidade da dispensa
Pela prova testemunhal, o juiz apurou que o empregado realmente praticou a falta grave que lhe foi imputada pela empresa. Sem qualquer autorização, ele se apropriou de um trator da CBA, levou o veículo até sua residência e fez uso dele para fins particulares, o que motivou sua dispensa.
Mas, apesar de considerar reprovável a atitude do trabalhador, o magistrado observou que ele era detentor da garantia de emprego prevista para os dirigentes sindicais (artigo 8º, inciso VIII da CF/88 e artigo 543, § 3º da CLT). Isso porque ele havia sido eleito para ocupar o cargo de tesoureiro junto ao sindicato, com mandato previsto para acabar em 2020. Dessa forma, a validação da dispensa por justa causa dependeria de instauração de inquérito para apuração da falta grave na Justiça do Trabalho, no prazo de 30 dias a partir da aplicação da penalidade, nos termos dos artigos 853 e seguintes e 494 da CLT, assim como das Súmulas 197 do STF e 379 do TST. Como isso não foi feito, o juiz acolheu o pedido do trabalhador, para declarar a nulidade da dispensa sem justa causa, determinando a sua reintegração no emprego, no mesmo cargo e função anteriormente desempenhados, com a garantia dos salários e de todos os direitos relativos ao contrato de trabalho, desde a dispensa até a reintegração.
“A empresa desprezou as normas legais e não instaurou o inquérito para apuração de falta grave. Preferiu dispensar diretamente o empregado por justa causa. Evidentemente que a instauração do inquérito para apuração da falta grave é condição essencial para a dispensa de empregado titular da estabilidade temporária decorrente de mandato sindical. Logo a dispensa do reclamante é nula de pleno direito”- realçou o julgador.
Justiça gratuita
A Reforma Trabalhista trouxe alterações na CLT em relação à concessão dos benefícios da justiça gratuita. Uma delas foi o artigo 890, § 3º, da CLT, que prevê a concessão da justiça gratuita “àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”. Outra foi o § 4º do artigo 790 da CLT, que dispõe que “o benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”.
Mas, no entendimento do magistrado, ainda que se comprove que o trabalhador tenha salário superior ao limite estabelecido na regra reformista, ele terá direito ao benefício da justiça gratuita, desde que apresente declaração de pobreza. É que, de acordo com o julgador, nos termos do parágrafo 3º do artigo 99 do CPC, supletivamente aplicável ao processo do trabalho, “a simples declaração de pobreza, apresentada pela pessoa natural, é suficiente para comprovação da insuficiência de recursos”.
E foi exatamente isso o que foi decidido no caso. Os recibos de salário do trabalhador revelaram que ele recebia salário superior a 40% do teto do benefício do RGPV (R$5.645.80, sendo que 40% correspondem a R$2.258,32). Mas, como ele apresentou declaração de pobreza, o juiz lhe concedeu os benefícios da justiça gratuita.
Na sentença, o magistrado também ressaltou que a Lei 13.457/17, ao limitar o benefício da justiça gratuita ao pagamento de custas processuais, afronta o princípio de acesso universal à Justiça, que constitui direito fundamental do cidadão, estando assegurado no artigo 5º, LXXIV, da Constituição da República, segundo o qual: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Conforme destacou: “Se a Constituição Federal determina que a assistência jurídica seja integral, não pode o legislador infraconstitucional limitar o alcance da assistência jurídica. Portanto, nesse aspecto, a Lei 13.467/2017 merece interpretação conforme a Constituição, para alcançar a integralidade das despesas processuais”.
Segundo o magistrado, quando o salário for igual ou inferior a 40% do teto dos benefícios do RGPS, estará atendido o critério objetivo estabelecido na CLT e, portanto, o empregado não terá que comprovar a insuficiência de recursos para ter direito ao benefício. Mas lembrou que, se o trabalhador estiver desempregado, portanto, sem receber salário algum, estará em situação mais desfavorável do que aquele trabalhador assalariado. Isso, de acordo com o juiz, autoriza a presunção da condição de pobreza, gerando o direito do trabalhador à justiça gratuita, sem que seja necessária a comprovação da hipossuficiência econômica. “Nesse cenário, apenas o trabalhador que perceber valor superior ao estipulado no art. 790 da CLT deverá comprovar a insuficiência de recursos, conforme requisito subjetivo instituído no § 4º do art. 790 da CLT”, concluiu.
Na decisão, o julgador ainda frisou que a lei não proíbe que a simples declaração da parte seja o suficiente para comprovar a condição de miserabilidade. “Tanto é assim que o artigo 5º da Lei 1060/50, que trata da concessão da justiça gratuita, dispõe que se o juiz não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas”, ponderou.
Honorários advocatícios e assistenciais não configuram dupla condenação
A reclamada ainda foi ainda condenada a pagar honorários ao advogado constituído pelo trabalhador, equivalentes a 10% do proveito econômico obtido por ele na ação. Foi também condenada a pagar os honorários assistenciais ao sindicato assistente, correspondentes a 15% do valor que for apurado em fase de liquidação. De acordo com o juiz, a imposição de honorários assistenciais e honorários advocatícios de sucumbência não configura dupla condenação, tendo em vista que as parcelas possuem natureza jurídica diversa. “Enquanto os primeiros têm como destinatário o Sindicato da categoria profissional que presta assistência jurídica ao trabalhador, os segundos são destinados ao advogado constituído pela parte vencedora na ação”, esclareceu.
Quanto aos honorários assistenciais, a sentença pontuou que, na Justiça do Trabalho, de acordo com a Súmula 219 do TST, o deferimento de honorários advocatícios ao sindicato assistente é condicionado à existência de dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e a assistência por sindicato, os quais foram atendidos no caso.
Responsabilidade do beneficiário da justiça gratuita por honorários sucumbenciais
A Reforma Trabalhista introduziu o parágrafo 4º do artigo 791-A da CLT, segundo o qual: “Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”. Essa foi uma das mais polêmicas inovações contidas na Lei 13.467/17, pois a regra determina a responsabilidade do trabalhador pelo pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, ainda que beneficiário da justiça gratuita.
No caso, o reclamante também havia pedido indenização por danos morais de 20 mil reais, em razão da invalidade da dispensa por justa causa. Mas esse pedido foi negado na sentença. Entendeu-se que a simples anulação da justa causa em juízo não lhe gerou danos morais, passíveis de reparação. Justamente por ter sido sucumbente no pedido, o juiz concluiu que ele deveria pagar ao advogado da empresa os honorários de dois mil reais (10% do valor do pedido), nos termos da norma citada.
Entretanto, no ponto de vista do julgador, a norma do § 4º do art. 791-A da CLT não pode ser interpretada em sua literalidade, mas dentro do complexo jurídico em que está situada. “A hermenêutica jurídica dos dias que correm exalta o método interpretativo lógico-racional, sistemático e teleológico, o qual conduz à inelutável conclusão de que a expressão ‘créditos capazes de suportar a despesa’ tem de ser entendida como os créditos na ação capazes de modificar substancialmente a situação econômico-financeira do trabalhador”, ponderou. E, no caso, conforme observou o magistrado, os créditos que o trabalhador obteve na ação (decorrentes do sucesso em outros pedidos) não se mostram suficientes para fazê-lo suportar a despesa processual.
Tendo em vista a hipossuficiência econômica do trabalhador, o juiz determinou a suspensão da exigibilidade dos honorários de sucumbência por ele devidos, pelo prazo de dois anos da data da publicação da sentença, com a posterior extinção do débito após o decurso do prazo, a não ser que a empresa demonstre, dentro do biênio, que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos do trabalhador, a qual justificou a que concessão de gratuidade da justiça.
Para reforçar sua decisão, o juiz citou os ensinamentos de Antônio Umberto de Souza Júnior (et al) in “Reforma Trabalhista – Análise Comparativa e Crítica da Lei nº 13.467/2017”, Ed. Rideel, São Paulo, 2017, p. 386, o qual enfatiza que, para salvar a mencionada norma de leituras inconstitucionalmente desastrosas, a expressão “créditos capazes de suportar a despesa” somente pode merecer um sentido: “ressalva a lei que, sendo a condição financeira do beneficiário da justiça gratuita transformada pelo grande vulto da soma a ele destinada por força da decisão judicial na qual tenha sido responsabilizado pelos honorários de advogado – ou em outro processo qualquer – deverá ele arcar com esta verba sucumbencial”.
As partes apresentaram recurso, que se encontra em trâmite no TRT-MG, tendo os autos sido remetidos ao Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas – CEJUSC-JT para tentativa de conciliação.
PJe: 0011338-73.2018.5.03.0052 – Sentença publicada em 05/09/2018.
Fonte: https://portal.trt3.jus.br/