Em decisão recente, a 1ª Turma do TRT-MG considerou ilegal a penhora de parte dos proventos da aposentadoria de um devedor para o pagamento do crédito trabalhista, determinando desbloqueio dos valores. De acordo com a desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, que atuou como relatora do recurso do devedor, mesmo com as exceções trazidas no parágrafo 2º do art. 833/CPC, permanece o entendimento de que não é possível a penhora sobre parte do salário, quando se constata que é ele inferior ao valor do salário-mínimo necessário traçado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Caso contrário, explicou a juíza, haverá comprometimento da sobrevivência digna do devedor trabalhista e de sua família, devendo, então, prevalecer a regra da impenhorabilidade de salários prevista no inciso IV do art. 833/CPC de 2015, conforme já dispunha o art. 649 do CPC de 1973.
No caso, o devedor do crédito trabalhista (executado) não se conformava com a sentença que determinou a penhora de valores em sua conta bancária. Disse que as importâncias bloqueadas eram provenientes de aposentadoria do INSS e que a conta alvo do Bacenjud é utilizada por ele para o recebimento do benefício previdenciário. Esses argumentos foram acatados pela relatora, no que foi acompanhada pela Turma, que julgou favoravelmente o recurso do devedor para afastar a penhora.
Em sua análise, a desembargadora notou que, de fato, os valores bloqueados na conta bancária do devedor eram originários de benefícios de aposentadoria pelo INSS. E, ao constatar que o valor total da aposentadoria recebida por ele era inferior ao “salário-mínimo necessário” levantado pelo Dieese, ela concluiu pela ilegalidade da penhora.
Levando em conta a determinação constitucional de que o salário mínimo deve ser suficiente para suprir as despesas de um trabalhador e da família dele com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência, o Dieese estima mensalmente o valor do “salário-mínimo necessário” para a manutenção de uma família de quatro pessoas. Em junho de 2018, esse salário foi estimado em R$3.804,06, superior ao valor da aposentadoria do devedor, razão pela qual a desembargadora não teve dúvidas de que a penhora realizada comprometeu a sobrevivência digna do devedor e de sua família e que, por isso, não poderia prevalecer.
A desembargadora reconheceu que, apesar de o artigo 833, IV, do CPC/15 estabelecer a impenhorabilidade dos salários, essa restrição não é absoluta, tendo em vista as exceções previstas no parágrafo 2º da própria norma, que permite a penhora sobre salários, subsídios e proventos de aposentadoria, desde que seja para pagar prestação alimentícia ou quando o valor da renda for superior a 50 salários-mínimos. E, para a relatora, a intenção do legislador aí foi a de resguardar a dignidade do devedor que vive de sua força de trabalho, garantindo a intangibilidade dos valores indispensáveis à manutenção própria e de sua família. Até porque, segundo ponderou, o processo civil deve ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição, entre eles, a dignidade da pessoa humana e a proteção à família (artigos 1º, III, e 226 da CR/88).
Contribuiu para o entendimento da desembargadora o fato de o devedor contar, na época, com 83 anos, o que torna evidente a necessidade de gastos com a saúde, dada a idade avançada. “Deve ser afastada a penhora parcial de valores na conta do devedor para fim de pagamento da execução trabalhista, diante do risco de prejuízo ao sustento do executado e de sua família, o que, com certeza, é o que se pretendeu evitar com a impenhorabilidade tratada no inciso IV do art. 833/CPC”, finalizou a relatora, no que foi acompanhada pela Turma julgadora.
Processo
02149-1997-004-03-00-4 (AP) — Acórdão em 10/07/2018.
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